Atravessei o quarto sem fazer barulho. A cama ainda estava arrumada, como eu havia deixado noite passada antes de sair. Fui defronte à janela, e sentei, sentindo o colchão afundar embaixo de mim. O mundo acordava, e eu me peguei pensando quantas milhões e milhões de vezes aquelas ondas batiam ali. Era a única certeza, a única variável da vida delas. Como eu invejei as ondas naquela manhã.
Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali sentado, mas não deve ter sido muito. O céu continuava naquele azul metálico, denso, sem uma única nuvem no céu. O mar era mercúrio. A luz suave, branca, fria, batia por todo o quarto. Acho que ao ver aquela luz que a verdade resolveu bater à minha porta. Quantas vezes eu tinha visto o rosto dela naquela mesma luz? Vi seu sorriso, vi seu gozo, vi a inocência do sono dela. Até mesmo lágrimas eu já havia visto dela por aqui. Havia tanto dela por aqui.
O que me fez chorar foi o cheiro.
O cheiro dela estava em tudo, e principalmente em mim. Era suave e único, parecia beijar minha boca e se infiltrar nos meus pulmões. Dava razão às minhas lágrimas quentes. Em um canto, a carteira de cigarro que nós preferíamos, que sempre se mostrava presente no final de tudo de melhor que nós fazíamos naquela cama. Era o nosso ritual, e era nosso, o que fazia toda a diferença. Um livro que ela esqueceu ali estava em baixo do travesseiro dela, do jeito que ela me mostrou mil vezes. Meus dedos percorreram a capa marcada, e o cheiro dela estava ali também. Abri a página e senti um nó na garganta ao saber que ela jamais buscaria aquele livro, e que talvez jamais terminasse de ler, ou chegasse na última página e visse as palavras que eu havia escrito, frases de saudade nos dias que ela não estava ali comigo. Minha respiração estava pesada, e eu sentia meus pulmões tremendo a cada respiração profunda. Sentia frio também, mas eu sabia que não haveria cobertor que esquentasse. O vácuo era frio. Era algo que eu sabia, Física era a minha área de escolha, junto com os livros que eu escrevia. Mas eu não sabia que poderia existir vácuo dentro do meu peito. Um vazio tão intenso, tão frio, e ainda assim, ecoando nas batidas fortes da velha fortaleza de gelo.
Um gemido baixo escapou sem querer, um tremor. Não havia nada que eu poderia fazer, e doía tanto. As manhãs que eram nossas agora eram algo que eu teria que aprender a viver sem. Todas as promessas, todos os sonhos, todas as peças, os rituais, as brincadeiras, eu teria que viver sem elas. Eu não sabia se eu conseguiria, me faltava o conhecimento de como eu faria tal coisa. Dor, a dor era real. Não havia ferimentos visiveis, não havia sangue. Mas doía, parecia comprimir, parecia que eu ia ruir pra dentro de mim mesmo, e tudo o que eu via, era ela. Eu me recusava a olhar para as fotos, para os desenhos, para qualquer coisa. Eu só olhava pro mar e sentia o livro nas minhas mãos, e as lágrimas queimando, derretendo. Quantas horas demoraria para o sono finalmente vencer o medo e eu conseguisse sonhar? Eu sonharia com abraços, com beijos, acordaria chorando. E me perguntaria o que aquilo significava. E o que eu me responderia?
Eu responderia que significa tudo.
t.
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