20090315

O amanhecer do dia seguinte

"O sol daquela manhã jamais aqueceria meu coração."

Imagino que essas tenham sido minhas últimas palavras, pelo menos até onde eu lembro.

E o que eu lembro?

Ah, sim. Eu lembro. Esse segundo vai durar mais do que eu preciso e eu tenho certeza disso.

Desde sempre, as coisas pareciam confusas. Talvez erradas, mas era complicado de compreender. Eu sempre fora solitário, eu não tinha dúvida disso. Mas, até que ponto eu suportaria? Eu nunca havia parado pra pensar que talvez não fosse um ponto muito distante, uma linha tão complicada de se cruzar.

Houveram amigos, sim. Houveram até aqueles que se prontificaram a morrer por mim, com a velha concepção de amizade que eu nunca tive. Sempre por mim, sempre cuidando do que me interessava e deixando de lado os outros.

Não era natural?

Eu sempre achei que fosse. Agora, aqui, sentado há 21 andares do chão que sempre me falaram pra não tirar os pés. Estamos em outubro, e o frio é mais intenso do que deveria. Podera, sempre tive essa fascinação pelos amanheceres, e agora, seis e quarenta e sete da manhã não poderia ser diferente.

Meus pés balançam muito com o vento, mas eu ainda estou firme no parapeito do grande prédio comercial do centro. Cresci vendo esse prédio da minha janela, acho que é natural eu terminar aqui também.

Desde que consegui me esconder dentro do prédio no horário comercial do outro dia, eu fiz o possível pra não pensar em nada. "Se enganando, dói menos", é o que dizia um velho amigo de infância meu. Amigo esse que também se perdeu com os anos. Sinto falta dele, se é que isso é possível. Talvez porque ele sempre me ajudasse e não pedisse nada de volta, e como eu sempre fui um egoísta...

Subir 21 andares parece besteira pra todo mundo, povo inútil da cidade. Para eles, existem os elevadores. Agora, suba 21 andares até o seu fim, caminhando por uma escadaria vazia que ecoa seus passos e seus medos.

Um esforço extra e talvez mais um motivo pra pensar. A porta do terraço está trancada. Parando aqui pra pensar, eu deveria ter dado a volta e tentado de novo. Não que desse certo, mas eu teria mais tempo para tentar. Não sei direito o que, e nunca soube.

Por isso, acabei aqui.

"Em dois segundos eu vou acertar o chão", a frase da velha música ecoa.

2 segundos onde estou são mais do que necessários.

2 segundos dos 47 minutos que fiquei sentado no parapeito olhando para o chão do alto daqueles 21 andares e imaginando se valia ou não a pena sujar aquele cinza tão... Tão... Completo.

"O sol daquela manhã jamais aqueceria meu coração" são as palavras que digo em voz baixa antes de abrir os braços e agarrar o meu inevitável.

Sempre ouvi falar que nós morreriamos antes de se dar conta da queda... Mas e quando essa queda é uma escolha? Só mais uma escolha de muitas que todos deveriamos tomar durante a vida.

E como muitas, essa é irremediável. Irrecuperável. Mortal.

Meu segundo parece estar chegando ao fim, enquanto o chão cada vez chega mais perto, e as pessoas na rua ainda sem compreender o que seria aquela grande mancha escura caíndo dos céus, como um sinal de que algo, em algum lugar, não havia dado certo.

O vento assobia nos meus ouvidos. Sinto que começa a chover e o frio daquela manhã de outubro formiga na minha pele.

Então percebo que é aqui que tudo acaba. Aqui é o fim.

Eu fecho meus olhos.



(a city rose)
(a street of blood)



Thomas Hanauer,
15/03/09.

2 comentários:

  1. me identifiquei muito com o 'O amanhecer do dia seguinte' me fez sentir um alivio de ver que, tem modos de poder me expressar...adorei seu blog.

    fara muito sucesso se continuar assim, tocando no fundo das pessoas!

    Bjãoo

    Greicii

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