20090917

O Copo, o Cigarro e o Anjo

John havia perdido a conta de quantos carros já haviam passado abaixo de seus pés. Outros tempos, outras horas e o tempo corre como deve ser.

O viaduto da rua Veandercross se estendia como um monumento de tempos melhores para a cidade, que agora se tornara uma grande metrópole, enegrecida pela fumaça e pelas falsas esperanças. Os carros passavam como raios de luz, sem se importar com o corpo oscilante há 15 metros do chão. E o corpo também não se importa com as luzes. Não mais.

John havia chegado ali por volta das 18h21 daquela noite de sexta. Sentou-se na beirada e deixou estar. O tráfico por cima do viaduto houvera há muito sido proibido. O tempo e o descaso humano com pretensos à eternidade havia destruído aquele gigante.

Seu olhar se perdia em meio as luzes da cidade, desejando que aquela luz tivesse brilhado em igual intensidade na sua vida. As horas se arrastavam e ele via a cidade pulsando ao seu redor como um velho coração morimbundo. Pessoas se locomoviam como formigas sem rainha, tontas, ao relento, esperando que algo as abatesse, as queimassem vivas, como o sol amplificado pela lupa de uma criança. Ele via muitas coisas da altura privilegiada que tinha, ali, no meio da avenida principal de uma cidade fadada ao pó, fora do círculo das luzes dos postes. Via um grupo de pessoas num bar, via carros passando apaticamente, via uma garota sendo estuprada num beco, com seus gritos abafados pelo ronco do trem que passava ao longe. Via mendigos embaixo do viaduto, encolhidos perto das pilastras cobertas de cartazes com promessas melhores. Via pessoas nas janelas, vivendo suas vidas, tentando sobreviver nesse circo de loucos que chamamos de vida urbana.

John pára e pensa no grande vazio que se esconde na sua mão, bem fundo. Houve um tempo onde ele pensava na grandeza da existência, onde acreditava que Deus era bondoso e onipresente, fiel à vida de seus filhos como um cão de guarda. Houve um tempo, porém, que ele percebeu a ironia de se existir. Uma vida, que representava tanto aos olhos incautos, poderia ser tirada tão facilmente quanto o vento levanta folhas secas no outono. Um simples pensamento, uma simples palavra, uma simples vontade, e os filhos daquele pai tão ausente morriam. Deus só existia para quem não vivia no inferno que ele chamou de Terra.

Sentado ali, na apoteose existencial, ele fecha seus olhos. No momento em que fecha os olhos, houve um leve farfalhar ao seu lado direito e pensa que talvez os abutres já estejam se reunindo pra saborear o banquete que cairá dos céus e seguir o ciclo natural das coisas.

- Aceita um cigarro, John?

John continua de olhos fechados, tentando compreender que sua mente cansada lhe pregou uma pequena peça, que talvez o seu subconsciente esteja tentando criar um meio de convenser-lhe a se afastar e voltar à decadência que era a sua vida. Abriu os olhos e olhou para a voz.

A voz grave, porém delicada, passou a ter uma forma. Um rosto comprido, cansado. Bela, à sua exótica forma. Os olhos, que assustavam pela aparência cansada, eram de um cinza metálico, escuro, que contrastava muito bem com o cinza esfumaceado da pele. Os cabelos, brancos, desciam desgrenhados até o chão do viaduto. As pernas, passadas por cima do párapeito, eram longas e magras. Seus pés se escondiam em um calçado de seda cinza, que parecia poeira. O corpo magro, de braços finos, esteva vestido numa túnica da mesma cor dos sapatos, com a mesma aparência etérea. Porém, o que mais assustou John, mais até do que o cigarro acesso na boca fina e do cigarro estendido para ele, foram as costas daquela voz. Longas sombras do que um dia poderiam ter sido asas, estendiam-se um metro acima da cabeça da criatura, para cair novamente, encostando no cabelo atirado no chão. Aos olhos de John, pareciam velhos garda-chuvas gigantes sem os arames pra firmar.

- Não? - A criatura lhe olhou fundo nos olhos. John não suportou o cansaço naqueles olhos e desviou para o cigarro. Ele era negro como as unhas da criatura ali sentada.

- O quê... O que é você? - Sua respiração se tornou pesada, seu coração disparou.

Um silêncio profundo caiu entre os dois. O cigarro continuava estendido para John, e a criatura maneou a cabeça para olhar John diretamente nos olhos mais uma vez.

- Eu sou o seu anjo, John. Me chame de Herald. E o seu cigarro te espera.

- Não é muito irônico o meu anjo estar me oferencendo um cigarro? Eu digo, cigarro mata.

Um riso permeou os lábios de Herald.

- Não era para isso que você estava aqui, desde o começo? Só estou tentando lhe mostrar coisas simples. Entenda esse cigarro como um zero, e o fume pela esquerda.

Diante dessa afirmativa tão simples, porém real, John pegou o cigarro de Herald. Os olhos dele, daquele metal cansado, se abaixaram pra cidade enquanto John colocava o cigarro na boca. A ponta do cigarro brilhou na escuridão de seu rosto assim que ele o colocou na boca.

- O fogo é por conta da casa. - Uma risada irônica veio de Herald.

John tragou o cigarro profundamente, sentindo a fumaça abrir caminho por seus pulmões, os dilatando, os relaxando, os destruíndo. Não era aquela a forma de mutilação mais sincera que existia? Bilhões de pessoas fumavam cigarro, milhares só para relaxar os pensamentos cansados de suas mentes mais cansadas ainda. John por um momento se deixou levar pela misteriosa fumaça de seu cigarro naquela noite nublada, mas sem vento. Quente e seca, como deviam ser as noites. Vendo aquela fumaça, novamente o pensamento de infinito atravessou a mente de John como uma lâmina quente, produzindo pontadas de aço no seu estômago.

- Bem, John, eu devo citar que tu é o espinho mais afiado da minha coroa.

Os olhos de John se abrem lentamente e o cigarro vai parar em sua mão esquerda. Ele contempla a cidade correndo lá embaixo, decadente como um poço abandonado. Os pés balançam e os cabelos sujos se espalham pelos ombros.

-Por quê? Porque até aqui eu tenho que parar pra pensar em tudo?

Herald pende o corpo em direção à rua que corre abaixo de eles. Na sua mão direta, um copo de cristal quebrado numa borda, formando um W irregular. O cigarro na boca do anjo brilhou por um momento enquanto ele tomava fôlego e o recolheu com um movimento da mão direita.

- Por que tu é humano, John. Tu é humano e fugir disso é tão impossível quanto entender o tamanho do nosso universo. Tu é fadado aos pensamentos mais fracassados e inconstantes da criação, é fadado a perder todos os jogos e ter de sorrir no final. Ser humano é ter de pensar, tu não vê? E vocês pensam demais, demais. - Uma tragada e um pequeno pedaço do céu se abriu logo adiante, revelando pequenas estrelas na noite sem lua. - Vocês pensam demais sobre tudo, vocês se culpam, se martirizam. Acham que estão no centro do universo e que tudo acontece com vocês. É triste, John, mas vocês não são perfeitos.

John olhou para Herald e então percebeu que o cansaço dele era compreensível. No primeiro momento, John não havia reparado nas rugas naquele rosto, nem nas cicatrizes que faziam um complicado desenho triangular nos pulsos do anjo. As asas pareciam secas, como cinzas de uma folha de papel. A túnica não brilhava mais, estava suja e rasgada nas pontas. Outra tragada dele, e o cigarro voltou à sua mão esquerda.

- Vê, eu fui mandado aqui para arrumar as coisas para ti, John. Fui mandado para tentar te convencer que há sempre outra esperança. E quer saber? Isso é mentira. Alguns de vocês humanos compreenderam a verdade. Deus é uma mentira. Pelo menos o Deus que vocês teimam em pintar. O velho lá de fora existe, sim. Do lugar que eu vim, eu posso vê-lo todo dia.

- E de onde tu veio, Herald?

Uma tragada da mão direita.

- Eu vim do Depois.

Os olhos de John se encheram de dúvida. Porque essa palavra, essa expressão, usada nesse momento, lhe pareceu tão familiar? Não só familiar, mas certa. Como uma verdade absoluta, como um fato inegável, como o destino que chama por nós toda hora e hora nenhuma. - Por que você veio, então? Se não há como, por que veio?

- Por que tu é uma rima sem esperança no poema da minha existência. E eu acho que essa existência está tendo o seu último grande show, sentado num viaduto desativado, conversando com uma pessoa que deixou te tentar arrumar as coisas faz tempo. E todos nós deveriamos gostar de arrumar as coisas.

- Tu não entende.

- John, eu entendo perfeitamente. Por cada vez que você amaldiçôou seu destino, por cada grito, por cada soco no espelho. Por não acreditar em mim, por ser estúpido, por roubar o que eu poderia sido. John, eu te entendo.

O cigarro na mão de John estava pela metade e sua mão direita estava encrespada em seus cabelos sujos, uma gota de suor caiu de seu nariz até atingir a rua.

- Sabe, John. Nós somos dois lados da mesma moeda, e o engraçado é que essa moeda é comandada pelo seu lado, e você fez o favor de atirá-la num poço, e estamos girando bem depressa em direção ao fundo.

Os olhos de John fitam a garota caída no beco, os mendigos lá embaixo, os carros riscando suas pupílas.

Herald traga seu cigarro e as nuvens já se abriram acima deles, onde milhões de estrelas brilham como furos no céu.

- Eu passei a minha vida toda procurando alguém pra culpar, Herald. Procurando entre as cinzas daquilo que um dia eu fui. E sabe o que eu encontrei? Eu encontrei um anjo, um anjo caído. Um anjo vestido nas cinzas de tudo que eu amei e deixei pra trás, de tudo que me era sagrado e eu deixei cair no caminho até esse viaduto, numa madrugada cuja hora é nenhuma. Eu vejo que no egoísmo da minha espécie, na tentação da saída mais fácil do não acreditar, eu deixei de ver que existem muito mais coisas que olhos cegos pela luz podem ver. Agora aqui, sentado ao teu lado, eu vejo que nas sombras não existem meios de se desejar o melhor.

Herald pega a taça e seu incompleto W e passa levemente na pele do antebraço, até o pulso direito. John sente uma dor quente descer seu braço esquerdo. A mão do cigarro agora pinga sangue na rua 15 metros lá embaixo.

- Tu entende? - Herald suspira com o cigarro preso entre os dentes escuros como suas unhas.

John olha para os céus e relembra sua vida toda num segundo, sua família desestrurada, os amigos que morreram no caminho. Os sonhos, as promessas, os sorriros, as sombras do que não foi.

- Tu veio aqui para arrumar as coisas para mim, para remendar o que eu quebrei. Eu vejo então, que tu veio até mim para que eu lhe curasse, para que eu remendasse as tuas asas e te fizesse voar de novo.

- Com asas quebradas, não adianta tentar voar, pequeno John.

Começa a chover.

Os pingos parecem uma chuva de prata, descendo suavemente ao redor deles. Os cigarros chiam e se apagam.

Uma estrela cadente que não queimou na atmosfera daquele planeta, a luz de um cigarro que se apaga.


Lá está ele, na sua chuva.



"...neste sábado, foi encontrado o corpo de um morador de rua embaixo do antigo Viaduto Veandercross. Os policiais suspeitam de suicídio. Um corte em forma de asas em seu braço aumentam as suspeitas. Nenhuma testemunha se pronunciou até o momento. Foi encontrado com o corpo, apenas um cigarro."

(broken wing, empty glass, words that scream and bounce right back, she says 'you know, we'd all like to rearrange')


(I wish I could fix you and make you how I want you)

(I wish I could heal you and mend where you are broken)




Thomas Hanauer 17.09.09

20090915

juntos nós esperamos a tempestade

O vento daquele final de tarde passou suavemente por entre os jeans dos dois.

O céu que outrora brilhou laranja, agora era da mais pura escuridão. Apenas uma tênue luz atravessava tudo, como se fosse um fantasma de tempos passados. O velho faról, empoleirado naquele grande beiral, erguia-se como um dedo acusador em direção aos céus que piscavam esporadicamente, raios do final.

E os dois estavam ali sentados, lado a lado. Jeans surrados nas pernas, tênis velhos nos pés, sonhos quebrados brilhando nos olhos.

Logo a tempestade vai chegar.

Olhando em direção ao escuro horizonte, que se estendia em direção ao mar. O cheiro de eletricidade carregava o ar, parecendo estalar no céu da boca a cada respiração dos dois. E eles simplesmente esperam.

Algo em algum lugar deu errado. Uma porta não encontrada, uma pedra no lago da vida, um castigo divino, uma chance de começar de novo.

As transmissões dos últimos dias diziam ao mundo que algo nunca visto iria acontecer. Algo havia perturbado o âmago da criação. Tempestades elétricas e magnéticas se estendiam por todo o mundo, nuvens cobriam tudo, escondendo dos pobres filhos da terra o brilho do astro-rei.

Eles não se importavam nada com isso.

Eles estavam ali sentados esperando o mundo acabar, na arrogância de se ter menos de duas décadas de vida. Imagino que isso seja o certo, perdemos todos muito tempo querendo entender a necessidade de ser. Perdemos tempo juntando fracos para comentar a eterna roda do fracasso. A arrogância de não se preocupar acaba, às vezes, sendo a saída certa.

E a tempestade vem chegando.

Ela olha para ele, que continua com os olhos fixos no horizonte.

Mil lâmpadas não derrubariam a escuridão, e o resto das nossas vidas talvez já tenha passado. Aqui a hora é nenhuma.

Muitos que estavam com eles sentados na colina haviam se levantado e corrido. Tentando comprar tempo contra o inevitável. Mas os céus sabem quem caminha, quem foge.

A tempestade aparece no horizonte, implacável, devastadora, completa.

Os dois sentados ali, pés balançando ao vento, digam que vocês nunca irão se importar.

Nós erramos e iremos esperar.

Ela entrelaça os dedos em volta dos dele, que finalmente desvia os olhos da tempestade elétrica pra olhar na tempestade dos olhos dela.

Ele sorri e o cheiro de eletricidade os envolve, os ventos aumentam e não há necessidade de palavras.

Juntos nós esperamos a tempestade.



(it's all in the way that we know that we could have it all)

(the storm yet to come binds us as one)





Thomas Hanauer 15.09.09

20090912

E já que você é a minha estrela..

...seria pedir demais para que você caísse no meu pátio?

(I'm just a notch in your bedpost)

(but you're just a line in a song)

Thomas.

20090910

É natural sentir medo.

E é um fato triste ver fotos de vocês todos e saber que daqui algum tempo eu não vou passar de mais um estranho, de mais uma sombra que já passou. E por mais que eu tente voltar com os velhos risos, as velhas piadas e os velhos sentimentos, nunca mais vai ser a mesma coisa, porque não existe lágrima ou tempo que ignore o fracasso de se ir embora.

Existe uma chance das coisas darem errado, meu amigo. E rápido, rápido, rápido, eu tô perdendo o chão sob os meus pés e entendendo que talvez, quando eu voltar, eu não seja mais bem-vindo. Eu vou ver o sorriso sincero de vocês e vou pensar comigo mesmo

'Por que até um sorriso dói tanto?'

Eu não quero ver, eu não quero saber, eu não quero ter que olhar pra trás. O combinado inicial era tão diferente, mas na amargura invejosa da minha falta de preocupação, no egoísmo fútil da minha cabeça, eu perdi mais do que eu poderia admitir.

Talvez possa soar como bobagem, mas corações são inconstantes e nada é pra sempre. Talvez só pra mim, que vou ter que ir nessa estrada muito tempestuosa sozinho. Sejam fortes, eu digo, sendo que no fundo, o fraco fui eu.

Sinto muito.

Pelas coisas que fiz e não fiz, pelas idéias idiotas e as brincadeiras fora de hora. Por não estar lá quando necessário e por estar lá quando não precisava. Sinto muito se eu não me esforcei o que deveria, não passei de um homem cego procurando uma sombra de dúvida.

Sinto muito, mas obrigado.

Obrigado por me mostrar sorrisos todos os dias, obrigado pela compreensão e pelo ombro. e obrigado por todos os abraços que recebi na hora de ir embora. Obrigado pelo carinho, pela paciência e por todas as coisas que eu não conhecia e agora sei. Obrigado por me deixar colocar meu coração na palma da mão de vocês e jamais ver vocês as fechando.

Sinto muito, e até logo.

A vida segue, e eu certamente também vou.

Nunca vai ser a mesma coisa. Afinal, vocês talvez nem sequer lembrarão meu nome.


Mas eu vou amar vocês do mesmo jeito.


(nada vai ser fácil pra você)
(não dá tempo de se arrepender)



Thomas Hanauer 10.09.09

20090903

o chamado da tempestade.

"Nós..."

Meus olhos se abriram e a frase de uma única palavra brilhou em vermelho logo abaixo da foto de uma pequena família que me pareceu tão familiar.

Senti como que o vermelho da frase havia se fixado nos meus olhos, tamanho era o ardor neles.

Um relâmpago cortou os céus lá fora, a apoteose da eletricidade, da força elétrica negativa da natureza. Nenhum barulho vinha de dentro de casa além de um leve choro de criança vindo do quarto ao lado.

Meu corpo parecia estranhamente leve, porém exigia concentração para movê-lo, como se fosse uma fia teia de aranha tentando se manter inteira num dia de ventos.

Levantei-me da cama olhando para o retrato. Duas crianças e possivelmente seus pais me sorriram de volta de sua eterna paralisia. Por que me pareciam tão conhecidos? Tão imensamente familiares, ao mesmo tempo que não os reconhecia?


Meu olho arde, minha cabeça dói, meu pulmão chia levemente.


Desviei o olhar com custo e olhei em volta. A janela dava para um pátio verde que se perdia na chuva, crivada de raios. Ao lado da janela havia uma pequena escrivaninha com papéis que eu não conseguia ler. Uma pequena caixa retangular jazia caída entre os papéis. Apesar de não poder ler o nome do remédio, conseguia ver o abismo de cor negra da tarja a cada relâmpago.

Ouvi de novo o choro da criança. Decido ir até a porta e saio num frio corredor.


Olho arde, cabeça dói, pulmão chia levemente.


Caminhei até o fim do corredor e me virei para encarar uma porta com um nome de conseguia apenas ler o começo.

"Mary..."

O resto se perdia em embaralhados riscos.

Um raio iluminou o quarto e eu entrei.

Sentado numa cama simples, envolta em cobertas como se fossem sua defesa, seu esconderijo, havia a pequena garota da foto. Era impossível ver seus olhos. Seu choro baixinho enchia o quarto.

Ela se levantou e seus olhos cruzaram o meu por um segundo.

Ela passou correndo por mim.

Tentei chamá-la pelo seu nome, mas não consegui.


Arde, dói, chia levemente.


Segui a garota de volta até o quarto de onde saí.

A cada passo que dava em direção ao quarto, a tempestade parecia triplicar seu poder. Os raios pareciam atravessar até mesmo as paredes. Cada trovão ecoava no meu peito.

Cheguei até o quarto e encontrei a pequena garota ajoelhada ao lado da cama. Senti algo quente na minha mão e vejo que a pequena Mary está com as mãos cruzadas em cima da maõ de alguém na cama. Um raio ilumina a cama.

Os olhos abertos, inchados e vermelhos. A testa suada e os pulmões tremendo em últimos espamos, em uma tentativa falha.

Num segundo, eu soube. Mary-Jane não tinha nada a ver com isso. O remédio tarja preta que eu havia tirado do armário de remédios do quarto dos meus pais não tinha nada a ver com isso. Os meus motivos também não tinham mais nada a ver com isso.

O grito infito antes da queda se perdeu na minha garganta quando o último raio daquela tempestade, que delimitava os últimos batimentos do meu coração cansado, ecoou no desconhecido mundo dos que já foram.



(our precious girl, she can't be gone)
(I wash my hands of you)



Thomas Hanauer. 03.09.09