20100309

rascunhos - IV

E é como acordar de um sonho e não lembrar dele: tu não entende, mas compreende que talvez seja melhor assim. Talvez seja como compreender o porquê do sorriso dela fazer teu coração disparar loucamente, mesmo que tu não entenda.

Eu acho que em momentos em que as coisas dão errado, é quase humano tentar entender, mas nós falhamos em simplesmente compreender a situação. E nunca compreendemos que somos apenas pequenas faíscas de vida no mundo, e que por mais que sentimos a dor da perda ou o palpitar fundo no peito causado por um sorriso, muitos outros já sentiram isso também e falharam em compreender.

Poetas tentaram entender, grandes conquistadores tentaram entender, cientistas e santos morreram pra entender. E todos falharam em compreender que entender não é algo feito para nós. É algo feito pra se sentir, por pior que sejam as consequências.

Vivi o suficiente pra ver amigos fazendo loucuras, gente se embebedando até vomitar. Vi gente que eu amava se entregando ao mundo e achando isso lindo. Vi um velho coração maltratado batendo forte de novo por alguém. Vi olhos que brilhavam se apagarem por pegarem o caminho mais fácil, sem se lembrar do gosto da vitória final.

Não entendo nenhum, mas compreendo todos, por pior que sejam as consequências.

Para aqueles que são fortes, sejam fortes. Não estar lá e não desistir é sempre o melhor. Por mais que o resultado seja ruim, lembrem-se do gosto de competir e tentar. Lembrem-se de compreender antes de chorar por não entender.


thomas.

rascunhos - III

E ela parecia tão impossível pra ele.

Jack sabia que não deveria pensar assim, mas havia outro jeito? Às vezes um coração partido precisa de um apoio pra manter as lágrimas que inevitavelmente o enferrujarão. E às vezes ele consegue.

Os fantasmas de Jack haviam se ido. Praticamente todos haviam ido e deixado nele uma sensaão de vazio. Vazio, compreendem?

"Enquanto você coloca meu mundos em pedaços, por favor, tente fazer isso gentilmente."

E Jack se acostumou a isso. Jack passou a olhar o mundo com olhos mais leves, com intensões menos eternas. Passou a pensar no corpo antes do coração. Passou a dar mais valor à carne do que ao sorriso. Ao copo do que à companhia.

Jack foi se perdendo nos outros pra conseguir achar alguém que mudasse tudo, alguém que fizesse valer a pena.

Até que um dia, quando o mundo provava pra ele que uma consciência pode pesar mais do que tudo no universo, ele entendeu.

Um relance, olho ao olho. Um sorriso.

Um mundo de preocupações desabando ao chão. Um mundo de vergonha emergindo daquele coração solitário.

Seria mesmo?

Talvez sim. Talvez não.

Não era a paixão à primeira vista um misto de sombra e luz, verdade e mentira, sim e não? Não era a paixão um paradoxo?

O problema de tudo é explicar isso pra Jack naquele momento. O tempo parou, o chão sumiu e as velhas borboletas impacientes rodopiaram em seu estômago.

Cores desbotando no velho mundo cinza, como a hipnotizante dança da aurora do norte, nas noites frias. Noites sem sono lembrando gestos. O crescimento de uma velha necessidade de ser e de estar, a necessidade de ver um sorriso.



E agora ele sentado ali, com as luzes num tom tão único, olhando fundo nos olhos dela.

Porque não havia medo agora que os olhos dela brilhavam cada vez mais perto dos dele?

Acho que é hora de respirar fundo antes do mergulho.

E ela sempre pareceu tão impossível pra ele.


thomas

rascunhos - II

O sol entrou no quarto, seus raios filtrados pela cortina branca. Uma brisa leve se arrastou por baixo da porta, revirando folhas de papel, derrubando canetas e trazendo novo fôlego ao aposento. No canto oposto à pequena porta de entrada, havia uma cama de solteiro e um bidê. Um banheiro, à esquerda.

Fora os papéis espalhados, tudo seguia uma fina ordem. Quadros alinhados nas paredes, enfeitos emparelhados na discreta mesa de centro, cortinas fechadas em igual medida.

Trent estava deitado na cama, com uma folha fina sob o rosto. Um lápis escuro havia escorregado de sua mão até o chão. Mil sóis se refletiam no copo parado à cabeceira da cama.

Ao longe, gritos de crianças, pássaros, carros e todos os sons normais do mundo.

Trent foi puxado de volta ao mundo pelo suave som do despertador em cima da mesinha de centro, ao lado de três livros de capa simples. 'Passado', 'Futuro' e 'Desconhecido' eram as legendas que decifravam cada um. Com um grunido suave, ele se levantou. Não era de seu feitio se demorar, ainda mais depois da insistente e estridente ordem do despertador.

Se espreguiçou brevemente enquanto colocava uma calça e uma camiseta leve. Não fazia calor lá fora, mas também se o abuso de roupas viesse, com certeza isso mudaria ali dentro dele.


thomas.

rascunhos - I

A madrugada se estendia pela cidade.

Cirus caminhava por entre as luzes da cidade apreciando a melancólica boêmia desse fato, a já estuprada idéia de virar a noite nas ruas sujas e movimentas. Seu olhar vago não era atraído por nada em particular, apesar de seus ouvidos captarem todo e qualquer ruído particular naquela cidade, os carros, os gritos, as conversas entrecortadas, a decadência dos fatos.

Quando seus olhos então se deram conta, ele já estava sentado confortavelmente no Late Nite, o velho e companheiro bar, de tantos anos, porres e mágoas. Cirus era um rico homem, influente, bonito, inconsequente, e o Late Nite era tudo o que ele precisava.

Seu celular o olhava de cima de sua mesa, piscando, chamando, clamando sua atenção, mas era sempre seu velho copo de whisky, o mais caro do bar, que acabava ganhando o carinho de sua mão. Sua mesa estava somente acompanhando-o, enquanto o resto do bar continuava sua vida, com muitas pessoas cuidando de seus próprios copos, cigarros e demônios.

Seu olhar vagava pelas luzes azuis suaves, pelos letreiros e rótulos refletindo o neon, atrás do barman. Barman esse que lhe acenou com certa reverência nos olhos. Cirus era rico, muito rico, afinal. Ao aceno de sua cabeça, trouxe mais uma dose a ele.

- Tudo bem com o senhor, Sr. Cirus?

Não que o barman realmente esperasse resposta, ele nunca a ganhava. Virou-se para voltar para o bar para atender um pequeno grupo de garotas.

- Tudo sim, Joe.

Voltou-se espantado para Cirus, perguntando a si mesmo como o grande Skyh Cirus sabia seu nome, até se lembrar de seu crachá por cima da camiseta de linho. Porém, o olhar de Cirus já estava longe, fixo no grupo de garotas.

Cirus atentamente observava um rosto no meio daquela pequena multidão. Ele sempre se sentia assim, um demônio olhando para um anjo. Sorriu de leve ante aquela face inocente.

- Hey, Joe. Última rodada, e por favor, chame aquela garota.

Joe seguiu o olhar de Cirus e localizou a garota. Rapidamente voltou com o drink e uma sorridente moça, dentro de seu vestido negro como ébano e olhos azuis como safiras. Seu cabelo era ouro e trovões.

- Aqui está, Sr. Cirus - disse colocando o copo e puxando uma cadeira para a garota -, com sua licença. - retira-se rápido e aí termina a sua parte naquela noite do Cirus.

"Bom garoto", ele pensa consigo mesmo.

E ela um estonteante sorriso ecomeça a falar. Sobre o mundo, sobre como a vida é, sobre os problemas no caminho. Cirus, como um bom ouvinte, somente a observa por cima da borda do copo.

Ele mal prestava atenção ao que ela falava.

Ele só queria uma coisa.

Uma coisa.



As luzes da cidade brilhavam até se perder no mar. Vinte e um andáres acima da cidade.

Ela está tão perto dele que ele sente que pode mergulhar naqueles olhos azuis. Azuis como o mar.

E é aquele momento, aquela pausa daqueles olhos, a calma antes da tempestade, que ele começa a se sentir um pouco culpado. Cirus não é um homem de culpa.

Logo irá acabar, ele pensa.

- O que você pode me oferecer?

- O que você quer? - ela responde.

- Acho que eu fico com tudo.

Ela tinha muito a dar, ele ficaria com tudo, e a luz da cidade foi testemunha.

Lentamente eles despem suas roupas, e a visão que ele tem quase brilha, brilha tanto quantos seus olhos. Olhos de demônio, ele pensa sorrindo.

Ela também sorri.

E ele quebra aquele sorriso enquanto os joelhos dela tocam o chão.

Cirus sequer se dá ao trabalho de prestar atenção, enquanto seus olhos varrem a escuridão do céu e a luz da cidade. Ele não se importava e sabia disso. Mas a culpa estava longe, a culpa não tem espaço nele, ainda mais enquanto sente aquilo que ele sempre gostou de comparar a uma descarga elétrica em todos os nervos da região que ela agora trabalhava tão intensamente, com uma vontade que não constrastava com seu rosto inocente.


thomas.