20101201

baby, babyluv

A luz da cozinha continuou apagada enquanto ela ia até a geladeira. O relógio da parede marcada 22h21. A única luz do aposento vinha da rua, dos postes amarelos. Não havia pressa em seus passos, pelo contrário. Ela queria fazer cada ação devagar para acelerar o tempo até que ele chegasse. A geladeira branca, cheia de recados em papel amarelo - o tipo de coisa que só ele faria - abriu gentilmente, iluminando o rosto dela com a luz suave e gelada. Ela estava usando uma camiseta dele, folgada nos ombros, arregaçada até o cotovelo. Uma calcinha branca, e só. O sorriso que ela logo iria vestir não seria para a geladeira. Seus cabelos escuros caiam pelo rosto. Ela havia dormido no momento em que desligou o telefone, calando as vozes por cabos por enquanto. Acordou sabendo que ele estava chegando, era só uma coisa daquelas milhares que eles compartilhavam: eles sempre sabiam, sempre sintonizados, sempre um só. Dentro da geladeira havia um copo vazio, com mais um recado. Ela reconheceria aquela caligrafia até no escuro. "Sabia que você ia esquecer de pegar um no armário.", ladeado por um coração pequeno. Ela sorriu, enchendo-o de água. Fechou a geladeira e apoiou as costas na porta gelada. Sentiu o ronco suave do motor nos dentes e a luz esbranquiçada passando pela cortina.

O carro subiu a pequena entrada, a luz lambendo as paredes da casa, se infiltrando pelo buraco da fechadura da porta da frente, no corredor ao lado da cozinha, indo se esconder na garagem. Ela continuou ali, no escuro. Escutou o motor zumbindo baixinho, uma fera ronronando, e conseguiu ouvir o clique da ignição, a porta abrindo e batendo e as chaves. Ele demorou alguns segundos para abrir a porta, e ela podia ver na sua mente ele tentando achar a chave certa, desatento e atrapalhado como sempre. O sons iam se aproximando, e ela fechou os olhos. Ela gostava de imaginar ele, e queria sentir o cheiro dele, o mesmo cheiro de todos os anos, antes de vê-lo. A pasta sendo atirada na sala de jantar, as chaves sendo penduradas na parede, os sapatos sendo tirados.

O cheiro chegou até ela como um sopro leve e quente ao pé do ouvido. Inspirou deliciada, nunca ficaria enjoada daquele cheiro. Quando abriu os olhos, ele estava ali, na frente dela, tão perto e tão rápido que ela só pôde sorrir. Sorrir aquele sorriso que vestia o rosto dela e foi o que fez aqueles olhos azuis dele se apaixonarem por ela. Ele estava só de jeans e camiseta. Sempre fora assim, odiava ter que trabalhar formalmente, achava que tirava a graça do trabalho. Ele sorria também, tão perto dela, como sempre. Pegou o copo da mão dela e o pôs no balcão atrás dela, já roubando um beijo no trajeto. As mãos dela subiram e foram se cruzar na nuca dele. As mãos dele se encaixaram no lugar do quadril dela que era dele por direito. A pele deles parecia se atrair, e quando ela percebeu, a camiseta dele já estava longe. Era elétrico. Ela sentia a eletricidade do contato entre as peles, passando pelos lábios que ainda estavam juntos, movimentando as mãos, ditando o ritmo da respiração. As mãos dele desceram mais, sentando-a no balcão, cruzando as pernas pela cintura dele, já sentindo o poder que ela sempre teve. A mão dele subiu, puxando o cabelo da nuca dela, mordiscando a orelha, procurando entrar na blusa.

Tão rápido quanto começou, ele parou e riu. Sempre assim, aquele crianção, parando pra rir e conversar nas horas mais impróprias, aleatório em sua maneira, que ela tanto amava. Ele olhou pra baixo e ela seguiu seus olhos. Abraçado na sua perna, na altura da coxa, estava o pequeno deles. Cabelos escuros como a da mãe, olhos azuis como o do pai. As bochechas abrindo aquele sorriso sem dente. Era o terror desde que começara a andar, e eles sabiam que o pior estava por vir. Riu alto, enchendo a cozinha com o som quando o pai o pegou no colo e o aninhou na curva do braço. Ela sorriu e sentiu que seu peito ia explodir quando ele beijou o rosto da criança. Era uma cena linda, de fato. Ele parado ali, só de calça, o bebê sorrindo abraçado no seu pescoço, a luz da rua descrevendo contornos impossíveis neles.

Com a mão direita, pegou na mão dela e a conduziu até a sala. A tela desligada espelhava a sala, mostrando dois grandes sofás macios, uma lareira abaixo do suporte da enorme televisão. Uma mesinha ficava na curva do L que os sofás formavam. Um tapete enorme cobria toda a parte a frente da lareira. Ao entrarem na sala, um sistema de luzes que ele mesmo havia montado acendeu todas as luzes indiretas do aposento. Luzes amareladas, suaves, se acenderam no teto e dois abajures altos do lado do sofá grande também. Sentou ali com o pequeno no colo e ela ao seu lado. Ela sorriu enquanto pegava uma toquinha verde do chão, colocando nele e arrumando as duas grandes orelhas. Conversaram sobre qualquer coisa. Muitas vezes ela perdia a atenção, só ficava olhando a boca dele se movendo, se deliciando com a curva suave do rosto e a barba que ele teimavam em deixar bem feita, um hábito que pegou por causa dela ao longo dos anos. Ele foi baixando o tom de voz, até um murmúrio baixo. No peito dele, com a cabeça na curva do pescoço, o pequeno já dormia. Ele sorriu e a beijou de leve diversas vezes, por todo o rosto. Ele e aquelas manias estranhas, que nunca iam embora. Ajeitou o pequeno e se aninhou no peito dela, aproveitando para roubar uma mordida de leve, aquele loiro sacana. Ela acariciou o cabelo dele, achando que já estava comprido demais. Os olhos dela pousaram na mesa dele, ali na sala mesmo, perto da aparelhagem de som ridiculamente grande dele. Via a folha de rosto de algo que poderia ser mais um romance. Ele não cansava de dizer que o maior incentivo havia sido ela, dedicando todos os 5 romances anteriores para ela. As compilações de contos só começaram a ter dedicatória depois que o pequeno nasceu, e vinha com as iniciais deles. Aquela dedicação nos detalhes era o que mais fascinava nele.

Fechou os olhos. O pequeno sorriu dormindo. Ele já adormecera também e logo começaria a babar na barriga dela, como sempre. As mãos dela continuaram afagando o cabelo, a mão dele se movendo para a coxa dela, arrepiando-a. A noite mal começara, e ela sabia que depois que ele acordasse, seria incontrolável. E ela amava isso.

Fechou os olhos e esperou. Tudo na mesma, babyluv.

estrelas

A chuva lá fora explodia suas milhares de gotas no teto. A lâmpada da rua estava apagada por de trás da cortina de água, deixando o quarto mais escuro do que nas noites normais. Os dois estavam deitados, ofegantes. Sem roupa, com um lençól branco leve delimitando os corpos. Mãos cruzadas, como sempre. Eles sabiam que era mais fácil romper o elo de uma corrente de titânio do que romper as mãos deles. Elas foram feitas pra isso. Ela se deliciava com a visão do teto do quarto dele. Ele havia instalado pequenos LEDs por toda a extensão dele, instalando um sistema de baixa tensão. O teto, quando ele acionava aquele botãozinho do lado da cama, se abria como o céu de verão. Cada LED era uma estrela. Fora o presente que ele deu para ela no aniversário de noivado na nova casa. Aquele nerd. Ele havia dito para ela que a distribuição das estrelas não era aleatória, e que havia uma mensagem ali. Que ela entenderia quando fosse a hora.

Ela apertou a mão dele, chegando mais perto. Ele respirava fundo enquanto virava para ela e apertava de leve as costelas dela. Como sempre. Ele sempre fazia ela rir depois do sexo, era uma marca registrada, assim como o beijo. Ela riu disso, e sorriu ainda mais, abrindo aquele sorriso lindo, fazendo o peito dele tremer de amor.

- Sabe, meu anjo, acho que teve algo que tu não percebeu.

A cabeça dele se inclinou no travesseiro, os olhos se curvando. Aquela carinha de confuso, como sempre. Os olhos dele se focaram nos dela. O milagre de olhos azuis dela.

- Ahm, se foi alguma data, amor, me desculpa, mesmo. Ando muito atarefado tendo que entregar os manuscritos, e...

O dedo dela se postou na boca dele, calando-o. Ah, como ele falava demais. Ela sorriu, sabendo que iria apelar para aquela mente assustadora dele.

- Que dia é hoje?

Ele olhou confuso, mas respondeu sem demora. Dia 2. De Setembro. Sorriu constrangido.

- Ah, desculpa, é dia 2, me fugiu completamente! - Virou-se rapidamente, abriu a gaveta. Voltou com um embrulho nas mãos. - Eu comprei semana passada, mas juro que me escapou hoje...

Ela sorriu. Não, não era isso, seu bobo. Puxou o cabelo para o lado, sorrindo. Ele tirou uma pequena corrente de ouro do embrulho, passando pelo pescoço dela. Um sabre de luz delicado, com a lâmina luminosa de pequenos diamentes cintilou ao ficar parada na dobra da clavícula. Ela sorriu. Ele não tinha cura, e sabia o valor que um símbolo daquele, de algo que fez tanto pra eles, valia tudo. Era o jeito dele, deixa pra lá, ela pensou. Ela amava ele assim.

- Bem, seu bobo, eu amei. Juro que nem esperava nada. Mas não, não é isso que você não notou.

Ele se deitou e olhou pras estrelas que eram só deles. Parecia ler a mensagem, ela sabia que ele lia. Será que aquela mensagem era só para ela? Ou para eles? Ele olhou de volta pra ela enquanto um relâmpago cortava a rua la fora. Na luz que entrou no quarto, ela viu os olhos dele se arregalando de compreensão, parecendo absorver toda a eletricidade daquele raio. A pele dele arrepiou na hora, de cima a baixo. Ela empalideceu e respirou fundo.

- É dia 2 e nós estamos na cama.

- Certo...

- É dia 2 e nós estamos na cama e não tem sangue aqui.

Ela sorriu e não disse mais nada. Ele avançou até ela, se levantou da cama, a levando junto com muita facilidade, levantando-a e a encaixando nos seu quadril. Ela o via de cima agora, e ele estava tremendo bem de leve, e ela só conseguia sorrir. O colar refletia a luz branca. - É sério? Nós vamos... Nós vamos ter o nosso pequeno?

- Sim, meu amor, nós vamos ter o nosso pequeno.

- Eu amo você, eu amo você. Eu tenho algo pra te mostrar!

Ela riu alto quando ele atirou o corpo dela de volta na cama. Sentou-se na porta, pegou a mão dela e encostou no peito dele. O coração dele explodia, firme, forte, constante. Fechou os olhos, ela fechou também. A mão dele conduziu a dela até a parte de cima da cabeceira da cama. Havia algo ali que ela nunca havia reparado, uma pequena entrada na madeira. Puxou e uma pequena caixinha se abriu. E havia um botão. Ele forçou o dedo dela contra o botão.

Um relâmpago iluminou todo o quarto quando ela abriu os olhos. Ele olhava para ela do mesmo jeito que olhou na primeira vez, sentado sozinho em um banco de colégio. Quando a luz se foi e os olhos dela se acostumaram com a luz, ela percebeu que algumas estrelas haviam sumido. As que sobravam formavam um círculo duplo, com uma seta no meio. A seta apontava para o mesmo botão que ela havia pressionado. Ela se levantou e olhou para a caixinha de madeira. Os olhos dele estavam fixados em algum lugar abaixo da linha de visão dela. Mas ela viu.

- Tu sempre esteve lá, meu amor. Quer ser minha pra sempre?

As palavras dele encheram o quarto. Um anel branco, com uma faixa fina ouro estava ali, encaixada em volta do botão. Uma vida pela frente, e um anel para provar.