20091119

A Tua Mão na Minha

baseado em "Your Hand In Mine" e "Yasmin, The Light", por Explosions In The Sky.

Após 2 dias intermináveis de chuva, ele teve a chance de dar bom-dia ao sol.

A coragem, pensou ele enquanto colocava suas roupas, é uma pequena oportunista. Ela pode aparecer como um leão de madrugada, quando a hora é nenhuma, instigando-o a fazer a mais loucas loucuras, sussurando no seu ouvido que as consequências não haveriam de existir. Porém, quando a luz entra pela janela, ela já se escondeu em algum lugar não de todo encoberto, mas encoberto o suficiente pra deixar a razão tomar conta.

Bill chegou até o portão e parou pra olhar a rua. As árvores estavam lá, o sol lançava seus raios e só alguns fugiam do abraço das folhas e chegavam ao chão. Algumas poças de água brincavam de ar e refletiam arco-íris nas crianças que brincavam na calçada. Parou por um segundo e encheu os pulmões, tentando se lembrar exatamente porque estava ali.

A carta.

Uma carta pra ela. E, bem, é claro que ela havia sido escrita com a luz alaranjada da luminária da mesa do quarto de Bill. Quando a hora era nenhuma e a coragem era um leão. Uma carta pra desabafar e abrir aquele grande músculo que parecia bater mais forte quando la passava pela cabeça dele.

Ah, velho leão que rugiu por mil noites, ache-me outra vez.

Ele começou a andar e pensar que talvez não fosse a hora certa, mas que escolha ele tinha? Era um jogo de risco ir para a casa dela numa manhã de sábado, depois de dois dias chuvosos. Era um jogo de risco caminhar e ver as pessoas sorrirem, ver casais aproveitando aquela manhã agradável ao pé da praça que ele passava. Era um jogo de risco colocar o coração perto da mão dela. Um risco de ter de vê-la só em seus sonhos, mesmo que esses sonhos fossem os mais lindos, onde ele perceberia que confiava no que ele sentia mesmo de olhos fechados.

Descia por uma rua movimentada do centro, perto do antigo viaduto. Via lojas com vitrines refletindo aquele sol, a serenidade de dois idosos sentados à porta do CoffeHouse, uma agradável cafeteria que existia desde os tempos de seu pai.

Atravessou a rua, e seus pensamentos pareciam foguetes, indo parar perto da lua ou das estrelas, que lhe lembravam tanto os olhos dela. O verão se aproximava e com ele o sorriso dela. O medo formigava no seu estômago e seu peito parecia maior, inchado, pulsando tão forte que abafava suas orelhas.

Ele passou perto do parque, e viu duas crianças sentadas perto da fonte, onde peixes de mil cores nadavam num turbilhão, com o sol brincando nas suas escamas prateadas.

Ele sorriu.

Ele sorriu e se espantou com a sinceridade que sentia consigo mesmo. E naquele momento ele soube que não existia o errado nessas questões. O destino que tomasse suas rédeas, mas que agora ele iria fazer o que sentia que era o certo, o que suas pernas, sua mente e seu coração estavam lhe mandando.

Com esse pensamento, ele começou a atravessar a rua.

Fechou os olhos por um segundo. A imagem dela brilhou.

Yasmin.

Apertou forte com a mão a carta escrita. Sorriu. O sol brilhou por entre suas pálpebras fechadas.

Um estouro sôou por ali, vidro quebrado se espalhou pelo chão com aquele som de milhares lágrimas de luz mergulhando no cinza. Ele se perguntou, vagamente, se teria sido algo grave e se preocupou de verdade com o fato de alguém poder ter se machucado. Seus olhos continuam fechados e ele continuou a andar.

Ele tentou continuar a andar.

Ele abriu seus olhos.

Por um confuso momento, ele se perguntou porque o chão a sua frente se estendia azul. Porque suas pernas não se moviam. E porque havia um gosto no fundo da sua garganta, meio doce à princípio, mas depois lembrando uma barra de ferro posta na boca.

A realidade de que seu caminho fora interrompido por uma tonelada de aço o irritava. Manchando a manhã azul de vermelho, ele ficava se perguntando irritado se havia ficado muito bagunçado por ser atropelado, e se ela iria se importar com um pouco de sangue na carta que ele havia escrito para ela.

Envolto nesses pensamentos, ouvindo o grito das pessoas que passavam e segurando firme a confissão que mais havia lhe dado prazer em escrever, ele fechou os olhos pela primeira vez.



Bill deu entrada no hospital da cidade às 11:21 da manhã do dia dois de janeiro.
A vida das pessoas ainda continuava exaltada como as explosões no céu da noite do final de ano. Apesar da chuva, as pessoas comemoraram. Yasmin também comemorou a vinda do ano novo, com a serenidade e inocência que sempre passeava em seus lábios.
A virada foi mágica para muitas pessoas, com os fogos e comemorações brilhando na chuva que se estendia pelo céu de dezembro, recebendo janeiro e os sorrisos de uma nova chance.



Bill continuou de olhos fechados por 17 dias. Não houve mais chuva.

O pequeno incidente com o carro havia lhe custado uma fratura no fêmur direito, um pulmão quase perfurado por uma costela que resolveu atravessar o caminho errado, 8 pontos correndo em diagonal pelas costas, pequenos cortes causados pelo vidro espalhado pelo chão. Uma grave fratura craniana.

Não houve consenso entre os médicos de como Bill havia sobrevivido à hemorragia que se espalhou por dentro dele por causa daquele pequeno pedaço de osso que desviou do lugar que deveria ficar pra sempre.

Seu rosto, no quarto 621 do hospital principal da cidade, estava pálido. Havia o medo dos médicos e familiares de que Bill talvez não superasse o trauma e continuasse em coma por muito tempo. O corpo não reagia a estimulos externos. A única parte do corpo de Bill que parecia a âncora que o segurava a vida era a mão direita, firmemente fechada em volta de um pedaço manchado de papel.

No décimo oitavo dia, alguns colegas de Bill vieram visitá-lo.

Bill soube. Bill ouviu. Bill sentiu.

Bill sentiu-se grato por eles estarem ali. Eram somente três, mas ele nunca pediu mais que isso. Até mesmo ali, deitado com o mundo apagado como uma vela pra seu corpo, ele soube que eles estavam ali como sabe que os dias serão melhores no futuro.

Juntos, eles eram invencíveis, e Bill soube.

Uma explosão de cores correu por seus olhos quando ele os abriu pela primeira vez. Não se sentiu triste por tê-los aberto somente para ver as costas dos três saíndo pela porta. Se sentiu grato. E além de tudo, ele sabia que aquilo ali não haveria jeito, eles sempre estariam com ele. Mesmo que os anos viessem e eles se separassem, o que seria natural, ele saberia que ao fechar os olhos e lembrar do passado, seria eles que mais brilhariam, brilhariam com a força da explosão das cores que agora lhe ocorriam.



Vigésimo primeiro dia.

Yasmin entrou no quarto de Bill e sentiu o peito apertar, mesmo sem vê-la. Yasmin havia vindo ali porque muitas pessoas comentaram sobre o acidente de Bill perto da casa dela, e algo no fundo de seu peito disse que era a coisa certa vir ali.

Bill sentiu que a escuridão que encobria seu mundo via uma luz brilhando, crescendo rapidamente e ele soube que era a coisa certa.

Yasmin se aproximou de leve da cama de Bill, vendo aquele garoto deitado ali e se perguntando que milagre estaria fazendo isso à alguém. O corpo que parecia estranhamente vazio quando ela chegou à porta ia aos poucos dando leves sinais de mudança. O rosto, antes pálido, ia ganhando um pouco de cor. Os músculos antes imóveis pareciam estar se retesando. O peito subia e descia mais rapidamente. A mão direita, que estava deitada, fechada, em cima do linho branco, de repente se abriu.

O mundo pareceu parar no instante daquela respiração.

Ela viu, no papel manchado de sangue, o seu nome escrito.

Pensou em correr, fugir, virar as costas e esquecer. Ela sabia que logo iria esquecer, mas não quis. Com a mão levemente trêmula, pegou o papel. Era um jogo arriscado, afinal.

A letra, caprichada, se estendia por mais ou menos a folha inteira. Ela viu como sendo datada do primeiro dia daquele ano.

À medida que ia lendo, o sangue seco dele se misturava as gotas salgadas que caíam dos olhos dela. Dois líquidos tão mágicos que são difíceis de compreender.

Ela largou a carta, que foi suavemente pousar no lençól, e pegou a mão dele.

Duas lágrimas solitárias escorreram dos olhos de Bill, que agora encaravam os dela.




~#~


Yasmin,

Eu sei que quando tu pegar essa carta, colada na janela do teu quarto, tu achará estranho. Talvez até irá rir desse idiota. Mas eu não me importo mais.
Sabe, olhar para as estrelas toda noite sem nuvens, ou reparar no formato dos relâmpagos quando chove, procurando um coração, todo dia, todo dia, pensando no teu sorriso, nos teus olhos, no teu cheiro, começou a se tornar mais necessário do que eu podia imaginar. Então, enquanto os fogos explodem no céu lá fora, convidando a chuva à trazer um novo ano, eu sento aqui e escrevo para ti.
Tu foi o vento que atravessou a minha vida e eu não pude defender. Por que, assim como o vento, tu te tornou onipresente, intensa e suave, sem chance de ser parada. Eu sei que um sonho é algo quase como o sol, que espero que surja logo para eu poder te levar essas palavras.
O sonho como o sol queima, machuca quando se chega perto, mas é necessário. Necessário como o vôo de uma mariposa perto da chama. Brilha tanto que atrai. Ás vezes, porém, o sol brilha e você diz bom-dia para ele com um sorriso no rosto, a chama se torna tudo e tu vê mais longe. Sim, tu nunca soube, mas eu acredito que te amo desde a primeira vez que te vi. Ter certeza de amar sem mesmo entender direito, sem tu saber, é quase infantil, eu sei. Mas o que eu posso fazer? Meu coração bate mais forte quando eu tô perto de ti, eu me sinto quase imbecil, mas me sinto bem. E acho que é algo que eu iria querer do meu lado pro resto da minha vida.
Então, eu escrevo pra ti. Eu vou deixar isso na tua porta, com o gosto suave do anonimato, e vou deixar o teu coração te dizer de quem veio essas palavras. Se pensar que é de outra pessoa, eu acho que me sentirei feliz por ela, porque ela terá teu sorriso brilhando todo dia.
E nada no mundo poderia ser mais perfeito do que isso.
Eu só queria te ver todo dia, te ver como o sol, como a lua, como todo o amor no mundo.
Te queria todo dia.
Queria a tua mão na minha.




Thomas Hanauer
01/11/09


Nenhum comentário:

Postar um comentário