20091217

o que ninguém vê

Uma fria noite, tão rara em dezembro, e era tudo isso o que ela precisava.

Seus pés descalços percorriam as vazias ruas da cidade, esperando achar algo pra chamar de seu. Alguma casa, alguma paz de espírito.

Seus pés descalços caminhavam sozinhos, e era tudo isso o que ela precisava.

Sua cabeça pendia em direção ao infinito, seus olhos eram opacos, antes vistos de brilho. E ela caminhava. Seus ouvidos estavam fechados para toda a pulsação de vida da cidade, sua boca contraída, sentindo o amargo gosto de vazio. Seu nariz não sentia a fumaça e o fracasso ao redor, sua pele só sentia a si mesmo enquanto ela se abraçava, tentando entender.

Sua cabeça era um turbilhão,e mil estrelas explodiam atrás dos seus olhos. A dor era constante, era um lembrete.

Seus pés a levavam em direção a caminhos que só eles sabiam. Como um pássaro que o vento tira do seu caminho, por motivos sem explicação, ela continua. Seus pés martelam o concreto e seu coração martela seu peito.

Quanta sorte você precisa para as coisas fazerem sentido?

"Não tenha medo", eles lhe disseram. Mas ela sempre achou que era preciso temer muito para aconselhar alguém a não tê-lo.

"Não tenha medo", eles lhe disseram.

E ela escondeu suas feridas fundo, mesmo sabendo que esconder as feridas nunca aliviaria a dor. Esconder as cicatrizes talvez as faça sumir no esquecimento, mas alguns cortes sempre irão sangrar. E quanto mais fundo, mas doeria.

E ela se culpa.

Suas mãos se fecham em seus braços, seu cabelo voa em leque àquela brisa solitária, que assim como ela, caminha pelas ruas vazias, procurando um por quê. Alguma casa, alguma paz de espírito.

De qualquer modo.

Ela chega à praça onde sonhou correr com seus filhos, sentar e vê-los brincando por entre as árvores que ela mesmo havia brincado alguns poucos anos atrás. Um leve sorriso iluminou aquele rosto cansado a pensar na simplicidade que as coisas às vezes podem ter.

Mas como uma vela, aquela luz se apagou, minguando. Seus olhos procuram uma direção, e ela sabe que se olhar muito, ela achará, ela se convencerá que há alguma, e no fim isso machucaria também. Ela fecha seus olhos pra esconder as lágrimas de um mundo que não se importava.

Procurando por si mesmo, por entre a escória e a falsidade urbana daquele lugar. Procurando por si mesmo em suas dores, procurando por si mesma em suas escolhas.

"Você sabe que eu vou estar sempre aqui"
Ela morde seu lábio com força, e uma solitária gota escarlate escorre.

"Você sabe que eu te amo"
Suas unhas agora sujas riscam seus braços.

"Nós estamos juntos, nisso e em tudo"
Sua cabeça levanta e lágrimas se juntam com toda a dor.

Uma claridade espectral e fria vem se levantando do outro lado da cidade. Ela treme, sentindo o calor de todas as toneladas do mundo naquels riscos em seu rosto. Ela jura pra si mesmo, e jura pra essas pedras, flores, dores e escolhas, que essas ruas e essas luzes ainda seriam sua casa. Que seu sorriso ainda seria leve, onde alguém se importasse de verdade. Escolhas sem dor. Um lugar longe de tudo que só a fazia chorar.

E era tudo isso o que ela precisava.

Thomas Hanauer
17/12/09

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