20101008

anjo

Nós dois sabiamos que iria doer. O mar lá fora, o sol de leve pela janela, músicas aleatórias que nem pareciam tão aleatórias assim. Deixe teus medos irem embora só por hoje à tarde. A cama ainda estava feita, os dois travesseiros lado a lado. Ele estava de lado, as mãos em frente ao peito, a cabeça abaixada, temendo por eles. E ele disse que precisava de um travesseiro, e ele disse que não conseguia, então ele a abraça pela cintura e a puxa para perto, sentindo o quadril se aproximando do seu, os seus dois braços cruzando na altura do estômago, o calor, o cheiro do cabelo, a respiração. Era um fluxo interminável de sensações, sentimentos, mas nenhum deles iria dar o primeiro passo.

Quando ele abriu os olhos, espantado, ela já estava em cima dele. Ele sempre fora maior, e gostava da segurança que isso passava à ela, e ela coube ali. Um anjo pousou nele, foi o que ele achou. Ela falava, ele ouvia. Ele sentia, e achava que ela sentia também. Sentiu vontade de chorar, porque sabia que amanhã ela teria ido embora, mas queria sorrir por ter tanta sorte, por ter superado só um dia e mesmo que as coisas desmoronassem, ele sempre teria aquele dia, e isso nada poderia levar embora. Ele sabia que ela havia desistido dele, deles, de tudo o que havia sido construído, mas sabia que em alguns momentos eram dignos de ter o resto do mundo deixado pra lá.

Ele se virou, e ela ficou deitada em cima dele sem medo. Sentia o corpo dela ali, em seu peito, em suas pernas, em seu quadril. Ele sabia, também, que quando visse tudo o que inevitavelmente veria, que todos os medos dele virariam realidade. Ela não era mais dele fora da porta daquele quarto, e as lágrimas queimaram em seu rosto sem que ela soubesse. Ele abriu os braços, ele queria morrer ali se houvesse como. Ela abriu também, e entrelaçou os dedos nos dele. Era um anjo, sim. O anjo dele. Sentindo a pele da barriga dele, sentindo de novo todas as vezes que ali brincou, mordeu, apertou forte as mãos dela em torno das suas enquanto a abraçava, deitada em cima dele.

Nós dois sabiamos que iria doer.

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