20100704

assim tão longe

O sol se deitava lentamente na água. O laranja se mesclava com o azul e rosa dos céus, e cada grão de areia parecia brilhar em chamas. Sob seus pés, bilhões de mundos escuros eram triturados por seus passos. A praia continha sua areia negra e ela continha um coração em dúvidas. Pensamentos como redemoinhos, olhos tristes que viam o sol se pondo e contemplavam seu fim, sabendo que ele voltaria a brilhar pro mundo pela manhã, mas não para todo mundo.

Seus pés cansados pisam em algo que poderia ter vindo daquela praia, daquele mesmo lugar, mas ela jamais poderia saber. O vidro ainda estava intacto, e fragmentos grudavam na superfície brilhante e transparente. Seu vestido simples, suave, fez voltas em suas pernas quando ela se abaixou para pegar a garrafa, e um sorriso de dúvida se formou em seu rosto ao ver que havia um pequeno canudo de papel dentro da garrafa. Seus olhos circundaram a praia, e só ela havia ali. Seus dedos abriram a garrafa, e ela balançou a garrafa até que o papel caisse em sua mão.

Linhas de tinta corriam a página, em uma caligrafia limpa. Ela falava sobre beijos longos, respirações pesadas em harmonia. Ela falava sobre um companheirismo de longos anos, de muitos poréns, mas indestrutível, inferrujável.

Quantos anos separam aquela praia de areias negras daquele amor? Seus olhos antes secos agora incubam toneladas quentes. Deve ter sido um amor tão bonito, ela pensa, para ela ter coragem de tocá-lo ao mar, e quem, qual pessoa, razão, ela queria mostrar tudo o que teve? O sol brilhou na garrafa enquanto ela caia aos seus pés, e seus passos não foram interrompidos pelos cortes enquanto ela ia adiante, cada vez mais adiante na praia de areias negras. Negras e agora salpicadas de escarlate.

Passos e mais passos, pensamentos em turbilhão, e ela vê cada vez mais perto o velho penhasco no fim da praia. Quantas vezes ela sonhou com aquele penhasco, sonhou com cada pedra, cada grão, cada mundo contido naquele enorme paredão, a apoteose de tudo o que ela era. A água laranja lambia as paredes, feroz, clamando.

Enquanto ia chegando mais perto, com sua cabeça longe, nas nuvens, não se importando com nada, nada, como sempre havia feito, outra garrafa.

Era irônico, não era?

Abriu-a e notou que a caligrafia era fina, rápida, cheia de agonia. De quem eram as lágrimas que borravam essa tinta? De quem era a dor e essa incerteza? Ela não sabia, mas entendia. Seus olhos queimavam enquanto percebia que não sabia se ele havia tido a chance de falar sobre tudo para quem ele escrevia, se algo havia mudado, e quantas noites ele deve ter passado acordado pensando nas chances de ela ler tudo. Por que ele não viu que estava no fundo, por que ele não viu o que vinha a seguir? E ela chora pela dor indireta, sem saber, sem saber.

Seus pés agora alcançavam o penhasco, e o sol já era abraçado pelo mar, velho companheiro de tantos outros corações quebrados. A vegetação fina balança ao vento, e o vento parece brincar entre as areias negras, sussurando tudo o que ela queria ouvir, tudo o que ela precisava ouvir. O sol brilhou, ela sorriu, e seus pés cansados e escarlates disseram adeus para a praia das areias negras.

Vamos dizer, então, que ela está tão melhor assim tão longe.

E ela nunca foi tão feliz como está sendo enquanto o mar a abraça junto com o sol.

Ela está tão melhor assim tão longe.

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