20100710

calendário

O interruptor, como sempre, trancou. Meus dedos desistiram dele assim que viram a luz azulada entrando pela janela aberta. O barulho das ondas enchia o quarto, o cheiro de maresia entrava pelas frestas. Era só mais um dia amanhecendo. Eu acho que eu nunca havia parado na porta e reparado nele de verdade. Cheguei a conclusão de que ele era o que eu imaginava quando eu pensava no quarto dentro da minha mente. Livros de memórias, CDs com músicas que cantam memórias, uma tela grande para acessar um outro mundo. Uma janela pra entrar a luz.

Atravessei o quarto sem fazer barulho. A cama ainda estava arrumada, como eu havia deixado noite passada antes de sair. Fui defronte à janela, e sentei, sentindo o colchão afundar embaixo de mim. O mundo acordava, e eu me peguei pensando quantas milhões e milhões de vezes aquelas ondas batiam ali. Era a única certeza, a única variável da vida delas. Como eu invejei as ondas naquela manhã.

Eu não sei quanto tempo eu fiquei ali sentado, mas não deve ter sido muito. O céu continuava naquele azul metálico, denso, sem uma única nuvem no céu. O mar era mercúrio. A luz suave, branca, fria, batia por todo o quarto. Acho que ao ver aquela luz que a verdade resolveu bater à minha porta. Quantas vezes eu tinha visto o rosto dela naquela mesma luz? Vi seu sorriso, vi seu gozo, vi a inocência do sono dela. Até mesmo lágrimas eu já havia visto dela por aqui. Havia tanto dela por aqui.

O que me fez chorar foi o cheiro.

O cheiro dela estava em tudo, e principalmente em mim. Era suave e único, parecia beijar minha boca e se infiltrar nos meus pulmões. Dava razão às minhas lágrimas quentes. Em um canto, a carteira de cigarro que nós preferíamos, que sempre se mostrava presente no final de tudo de melhor que nós fazíamos naquela cama. Era o nosso ritual, e era nosso, o que fazia toda a diferença. Um livro que ela esqueceu ali estava em baixo do travesseiro dela, do jeito que ela me mostrou mil vezes. Meus dedos percorreram a capa marcada, e o cheiro dela estava ali também. Abri a página e senti um nó na garganta ao saber que ela jamais buscaria aquele livro, e que talvez jamais terminasse de ler, ou chegasse na última página e visse as palavras que eu havia escrito, frases de saudade nos dias que ela não estava ali comigo. Minha respiração estava pesada, e eu sentia meus pulmões tremendo a cada respiração profunda. Sentia frio também, mas eu sabia que não haveria cobertor que esquentasse. O vácuo era frio. Era algo que eu sabia, Física era a minha área de escolha, junto com os livros que eu escrevia. Mas eu não sabia que poderia existir vácuo dentro do meu peito. Um vazio tão intenso, tão frio, e ainda assim, ecoando nas batidas fortes da velha fortaleza de gelo.

Um gemido baixo escapou sem querer, um tremor. Não havia nada que eu poderia fazer, e doía tanto. As manhãs que eram nossas agora eram algo que eu teria que aprender a viver sem. Todas as promessas, todos os sonhos, todas as peças, os rituais, as brincadeiras, eu teria que viver sem elas. Eu não sabia se eu conseguiria, me faltava o conhecimento de como eu faria tal coisa. Dor, a dor era real. Não havia ferimentos visiveis, não havia sangue. Mas doía, parecia comprimir, parecia que eu ia ruir pra dentro de mim mesmo, e tudo o que eu via, era ela. Eu me recusava a olhar para as fotos, para os desenhos, para qualquer coisa. Eu só olhava pro mar e sentia o livro nas minhas mãos, e as lágrimas queimando, derretendo. Quantas horas demoraria para o sono finalmente vencer o medo e eu conseguisse sonhar? Eu sonharia com abraços, com beijos, acordaria chorando. E me perguntaria o que aquilo significava. E o que eu me responderia?

Eu responderia que significa tudo.

t.

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