20100928

como fogo

O fogo subia, lambendo as paredes sujas, confrontando a garoa fraca que caía na rua. Era o número 621 da rua principal, e agora ele ardia em um inferno rubro. Os céus cinzas, metálicos, derramavam aquela água que mais parecia uma zombaria, por de nada adiantava contra a força das chamas. Toda a parte frontal do prédio estava enegrecido pelas línguas de metros e metros, soltando aquela fumaça espessa que seria vista por quilômetros de distância.

Em cada poça de água da rua, o reflexo do fogo parecia queimar mil outras dimensões, um espelho sem fim daquela loucura.

As pessoas em volta corriam. Algumas paravam e colocam as mãos na cabeça, se perguntando que mente havia iniciado tamanho caos, tamanho poder começando na cabeça diminuta de algum fósforo já há muito queimado. O irônico era que algumas pessoas estavam ali só para apreciar o estrago, se deliciando com os estalos e o rugido do fogo, as lágrimas que escorriam da tinta da parede.

O céu zombeteiro continuava seu rumo, as sirenes já despontavam no limiar da audição, a luz enchendo todos que estava ali perto. O trânsito parado, o ser humano em sua eterna necessidade de ver a desgraça do próximo desacelerando até quase parar para contemplar a destruição.

Aquele fogo selvagem dentro de cada um. E dentro desse fogo, no núcleo daquela reação, juntos na esquina, talvez o estopim humano daquele fogo. Duas pessoas, duas almas, dois corações se contentando com o calor e o infinito, entrelaçados nos braços um do outro. Era selvagem, mas era delicado. Apesar de tudo, eles só estavam aproveitando o fogo como todos ali, e as risadas deles enchiam alguns de terror, outros de contentamento.

E na mente de todos, e na mente de nenhum. Como, afinal, alguém poderia temer algo que brilhava em todas as poças daquela rua?


t.

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